domingo, abril 29, 2012

Algumas Poesias...



Prazer fictício

Fictício

é o prazer com que exerce seu ofício

e sem esforço derrama-se em ardentes beijos,

mostra-se a amante mais que ideal

e tudo faz e tudo deixa

porém mais tarde

da fonte de seus lábios de gueixa

escorre em sangue e fel

a falta do necessário desejo.


Incertezas

Não sei se canto

se rio ou choro,

se minto

se me desconcerto;

sei que não há certezas

sobre mim mesma

ou sobre o universo.

Por isso se me questionam

sobre a poesia

- se ela inspira ou se transpira -

não sei o que digo:

cada poema é íntimo inimigo;

dorme e acorda comigo

atormenta-me no meio da noite

faz de conta que sou eu mesma

reclama por rimas e versos

mas no fundo é o avesso

do meu inverso.

domingo, abril 15, 2012

eu faria uma romaria pela céu de tua boca


Sonho de liberdade

M. Esther Torinho

Aprisionado,

o passarinho insiste

em libertar-se

da prisão fria e triste

de sua gaiola,

acariciando brisas

e pousando em nuvens brancas

seu ninho

e seu sonho

de liberdade.


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Se ...



Se fosses a noite, eu faria

uma romaria pela céu de tua boca

descobriria teu manto

e te bordaria um chão de estrelas

e cantaria sonatas

com ou sem luar

expressando meu tanto amar-te.

Se tu fosses a noite

eu só quereria

enluarar-te.



Porém se fosses o dia,

eu cobriria com raios de sol

teus leitos de rio

e encachoeirava teus olhos

de lágrimas muitas,

mas só de alegria.

Mas, ah! se fosses o dia,

eu só quereria ser o teu norte

e tua serena

Geografia.

quinta-feira, abril 05, 2012

Escrever em/para o Literacia implica, portanto, em uma apropriação consciente da palavra, mas também, na medida do possível, responsável e transformadora.


Aprendi novas palavras
E tornei outras mais belas.
(Canção Amiga -Carlos Drummond de Andrade)

Ave, verbo


Escrever em um espaço que tem como título Litteracia é uma enorme responsabilidade.
Além do time de colunistas de altíssimo nível que por aqui aporta, o próprio título do site nos remete à informação, à capacidade de utilização da informação, nos remete ao processo de letramento e a várias reflexões a ele relacionadas, nos remete, enfim, ao poder da palavra.

Porque literacia significa a capacidade que tem o indivíduo de, lendo e compreendendo a informação escrita, atingir seus próprios objetivos, desenvolver suas habilidades, participando de forma efetiva na sociedade. Não se trata apenas de decodificar o que está escrito – disso a alfabetização dá conta, ou deveria dar conta. Trata-se, essencialmente, da utilização de um conjunto de capacidades relacionadas ao processamento da informação obtida através da escrita, para a solução de tarefas do dia-a-dia, quer seja no trabalho ou na vida de um modo geral.

Escrever em/para o Literacia implica, portanto, em uma apropriação consciente da palavra, mas também, na medida do possível, responsável e transformadora.

Diante da complexidade da vida atual, saber ler e escrever é muito pouco, embora muitos ainda não tenham dominado isso que seria o básico. A informação encontra-se disseminada hoje através de diversos suportes e as pessoas precisam obter essa informação, captando novas mensagens, transformando-as e utilizando-as na medida em que isso se fizer necessário. Não basta, repito, ler de forma passiva, mal digerindo o que lhe é passado. É preciso também usar o bom senso, a experiência de vida e o senso crítico, elemento transformador por natureza.

A literacia é tão importante na atualidade que tem um dia especial: 8 de setembro. De acordo com FRANCISCO (2008, p. 2),

A palavra literacia tem vindo a ser utilizada para conceptualizar um novo conceito acerca das capacidades de leitura e de escrita. Pretende distinguir-se de alfabetização por não ter em conta o grau de escolaridade a que esta, tradicionalmente, estava ligada. Se o conceito de alfabetização traduz o acto de ensinar e de aprender, um novo conceito, a literacia, traduz a capacidade de usar as competências(ensinadas e aprendidas) de leitura, de escrita e de cálculo. Esta capacidade escapa, assim, a categorizações dicotómicas, como “analfabeto” e “alfabetizado” (Benavente et al.,1995).

LEMOS afirma que “o conceito de literacia inclui a literacia informática, a literacia do consumidor, a literacia da informação e a literacia visual”, o que equivale a dizer que “os adultos letrados devem ser capazes de obter e perceber a informaçãoaa em diferentes suportes. Além do mais, compreender é a chave”.

Quando falamos em literacia, é preciso observar, dentre outras coisas:
•        Ela é algo mutável, dentro de uma mesma população; não é constante, nem permanece para sempre, uma vez adquirida. É algo em constante processo, tendo a ver com aquilo que se intitula estimular a mente, aperfeiçoando-a com o tempo.
•        Não diz respeito apenas ao nível de escolaridade (esse é um requisito básico, não garantido, entretanto, a literacia).
•        Pode ser avaliada, não através de medidas exatas, mas através da competência para o desempenho das funções sociais.
•        O perfil de literacia de uma população não é algo que possa ser considerado constante, ou seja, que possa ser extrapolado a partir de uma medida temporalmente localizada;

Aí chegamos ao processo de letramento, ao número de analfabetos e, ainda, ao número de analfabetos funcionais existentes em nosso país.

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação, nossa Carta Magna em relação ao assunto, preconiza a progressão continuada, através da qual o aluno com dificuldade em determinada matéria não seria simplesmente reprovado. Ele ser promovido, cursando a série seguida e, em horário diferenciado, deve cursar a recuperação paralela, que lhe permite avançar naquela disciplina específica em que não obteve sucesso.

Entretanto, a progressão continuada é transformada em aprovação automática, uma pura enganação que serve apenas para os governos de todas as esferas não terem que arcar com os custos da recuperação paralela e também para diminuir, por decreto, os índices de reprovação.
Como Educadora, jamais concordei com isso, simplesmente porque, após a referida aprovação por decreto, o nível de interesse dos alunos caiu a zero. E aí culpam o Professor que, segundo alguns pedagogos, não consegue motivar a turma. Então, me pergunto como motivar alguém que vai à escola, quando vai, sem material (embora receba gratuitamente o material necessário e, em alguns casos, o uniforme completo) e com a firme disposição de azarar a vida do Professor e colegas? Fácil falar, quando se está atrás de uma cadeira de Diretor, de Coordenador... Ai, ai.

Enquanto o Prefeito do Rio de Janeiro, ao assumir a Prefeitura, afirmou acabar com a aprovação automática, o Governador de São Paulo acaba com a recuperação paralela, porque, segundo ele, a frequência era baixíssima. Ora, meu Deus, e o alunado não precisa ter responsabilidade? E a família, onde fica nisso? Ah, essa há algum tempo delegou a responsabilidade de educar à escola, com desculpas diversas, inclusive a da falta de tempo.
Mas esse contra senso só faz apoiar a irresponsabilidade do adolescente. Se ele foi aprovado com a condição de cursar a recuperação paralela, deve haver uma forma de garantir que o faça.
 Porque, enquanto tivermos essa aprovação “de araque”, teremos analfabetos funcionais, incapazes de decodificar o texto escrito, incapazes, mais ainda, da necessária literacia.
A palavra, o verbo feito mensagem, seja de que tipo for, é um alimento para a alma.
Sobre a palavra, disse Carlos Drummond de Andrade:

A palavra
Já não quero dicionários
consultados em vão.
Quero só a palavra
que nunca estará neles
nem se pode inventar.
Que resumiria o mundo
e o substituiria.
Mais sol do que o sol,
dentro da qual vivêssemos
todos em comunhão,
mudos,
saboreando-a.

E depois disso, façamos um brinde: ao amor, à palavra e à linguagem, que nos permite a comunicação. Brindemos à vida e à própria sede de vida. Brindemos ao site Literacia, que faz aniversário.

Benditos sejam


M. Esther Torinho
Bendito o amor
esse arco-íris
pintado por um anjo pródigo
na tela escura da vida.
Benditos o amor e o anjo
que as pinta
mesmo que essa tinta
fique tantas vezes esmaecida.

Bendita a palavra
que a boca destrava
e concorre para a lavagem
da alma.

Bendita a linguagem
esse código
que nos permite
expressar amor
Bendita a coragem
de ir mais além
e ultrapassar os próprios limites
apesar dos fracassos
apesar de toda a dor.

Bendito seja o ventre
que nos dá a luz do dia
Bendita seja sempre
a sede de vida.

Ave, verbo. Até a próxima
M. Esther Torinho
Fontes de consulta:

Francisco, Rita. Literacia. Faculdade de Economia. Universidade de Coimbra. Disponível em:
http://www4.fe.uc.pt/fontes/trabalhos/2008028.pdf.  Acesso em 4/4/2012.

LEMOS, Arminda. Dia Internacional da Literacia. Disponível em: http://bibliotecadegas.blogspot.com.br/2009/09/dia-internacional-da-literacia.html.  Acesso em 4/4/2012

quarta-feira, abril 04, 2012

E assim, falando da palavra, do eterno milagre em que ela perde o sentido, mas também se renova e se refaz, chego a duas perdas do cenário artístico nesta semana


Será a vida uma festa no céu?

[Óleo sobre tela:A vida após a vida.  Warren Johnson]

Meus primeiros poemas neste espaço foram escolhidos de propósito, pois têm a ver – e muito – com a proposta da coluna, com a proposta de vida da colunista.
O primeiro deles fala de meu compromisso com a palavra, de minha busca pela palavra, para fazer versos e falar verdades, ao menos buscar verdades não ditas, mal ditas, ou mesmo malditas, palavra que seja um desafio constante, sem precisar ser agressiva. O segundo fala ainda mais de mim mesma, pois sou uma incansável caçadora de ventos – sempre em busca do inusitado, do novo, do inesperado; remexendo no fundo de mim mesma e da vida, formulando perguntas, questionando buscando respostas, não semeio, mas caço ventos e melancolias e muitas vezes colho tempestades.
E assim, falando da palavra, do eterno milagre em que ela perde o sentido, mas também se renova e se refaz, chego a duas perdas do cenário artístico nesta semana. Um, Chico, o eterno Chico Anysio, que já chamaram de mestre do humor e que encarnou tantos e tantos personagens que perdemos a conta.
Disseram que Chico Anysio não morreu, mas que morreram Chico Anysio, tantas são as “entidades” (como alguém chamou os inúmeros personagens “encarnados” por ele) com que nos presenteou.
A outra perda, a de Millõr Fernandes, um gênio da palavra.
Se um fazia brotar o riso, outro fez a palavra sabendo a dor (a dor de ser brasileiro, naqueles difíceis tempos da ditadura). Palavra essa suavizada pelo humor; na verdade de um Pasquim, palavra-desenho, palavra fazendo livro, palavra em feitios diversos, mas sempre bem dita a bendita palavra.
E ambos fizeram jorrar água pura de verbo sempre renovado de fontes de incertezas, que de certezas é que a vida nunca se fez.
Enquanto tantos se acham cheios de estilo, dizem que Millôr se definia como um escritor sem estilo. Dá-me, Senhor, de beber dessa fonte de inteligência e criatividade, com direito a recheio de pura modéstia!
Quando a palavra advinda do poder constituído fazia jorrar o sangue (e ainda há quem comemore!), a alternativa para fazer oposição só podia ser através do humor e do disfarce (que o diga o Julinho, que nunca foi da Adelaide), para que fosse afastado de nosso país o sangrento Cale-se.
Enfim morreram, em uma só semana, duas personalidades e, enquanto aqui na Terra ficamos mais pobres de inteligência, de arte – nós que já somos tão pobres de amor - lá no Céu ocorrem festas e festas. Todas regadas a muito humor, em pitadas de rara inteligência, vibrando em riso matreiro ou em doses profundas de gargalhada.
Apresentam-se, para a festança, entre outros, Dercy e Golias, Costinha, Oscarito e Grande Otelo, Zacarias e Mussum fazendo as suas eternas trapalhadas e Bussunda que, entre planetas e cassetadas, deixa a casa e a vida de alma lavada.
Rony Rios procura por uma velha surda no banco da Praça, Golias dialoga sobre sua Escolinha com aquela outra, de um certo Raimundo; Roni faz cócegas em Dercy Gonçalves, que solta uma palavra compriiiiiiiida e um cabeça de Profeta chamado Paulinho, fazendo a tropicália às avessas, entoa o Baiano e os Novos Caetanos.
E Carequinha e o Palhaço Arrelia? Esses prometeram um espetáculo á parte, em sessão da tarde, com números especiais para a garotada.
Eles combateram o bom combate e agora, continuam mais do que vivos e recusam a negra mortalha. Pessoas inteligentes e criativas não morrem, pois deixam ecos e nesses ecos se faz o som de novo viver, de nova poesia. Simplesmente porque, independentemente do ofício a que se dediquem, sabem dizer o verbo, sabem fazer a palavra sagrada.
E nós outros, que aqui ficamos, vamos pela vida afora, representando o drama da vida, trazendo nele embutida alguma alegria (possível?), enquanto os podres poderes nos reapresentam a eterna farsa.
Até que o teto desmorone, o teatro desabe e, para sempre, caia o pano. Para que tudo possa renovar-se com a força do vento, do verbo, da vida, apesar da certeza de que o sonho é sempre intangível.

Intangível

Intangível, o sonho desfaz-se
deixando a poeira na face:
ao rés do chão,
jaz a folha despregada pelo vento
que no insano momento
enxergamos borboleta
junto à pedra falsa
que antevimos diamante;
na lata do lixo,
a farsa que intentamos boa prosa;
ao relento
sem cor sem perfume
o espinho
que pensamos pétala de rosa;
o Cristo no crucifixo
e, da música, apenas a pausa.

Até a próxima
M. Esther Torinho